outra


Uma manhã como as outras.
Cada manhã é sempre diferente. Hoje, o sol nasceu por detrás das nuvens, por detrás dos estores, do vidro da minha janela.
Ontem, não havia nuvens.
E acordo todos os dias, como se eu fosse outra.
O primeiro pensamento não é o mesmo de ontem, ou de anteontem.
O primeiro movimento do dia também não é o mesmo.
Ontem custou a levantar. Hoje não.

Isto agrada-me. Ser outra, todos os dias.
Pergunto aos rostos dos que encontro na rua se também lhes acontece o mesmo. Se acordam outros.
Não obtenho respostas.

Até o senhor que me traz a merendinha e a meia de leite é o mesmo. Mas... não será outro? Não terá acordado hoje com um primeiro pensamento diferente do de ontem?
Não lhe perguntei.
Fiquei-me pela merendinha, pela meia de leite e pelo meu caderno de notas sobre mesa, para escrever - armada de papel e caneta, instrumentos que trago comigo.

E ficou lá escrito: hoje és o mesmo de ontem?