Sabor amargo

Questiono tudo.
Sinto-me anárquica.
Apetece-me o caos.
De repente, olhando para o que me rodeia, tomando plena consciência do que sinto, vejo apenas condicionalismos.
Vejo-nos a todos tão bem comportados; as pessoas que passam por mim na rua, os que não conheço, os que cumprimento com um bom dia educado, quando o que me apetece dizer é vai à merda.
Certamente, isto é o que vejo em mim e não nos outros - os condicionalismos.
Certamente.
Sou eu que me sinto condicionada a fingir que gosto do que não gosto, a portar-me bem quando não me apetece, a ser cortês quando me apetece ser malcriada.
Uma imagem ocorre-me: um automóvel, ignição ligada, com o pedal do acelerador no máximo, liberta-se a embraiagem... só que o travão de mão está puxado ao máximo.

Estou com vontade de mandar o mundo todo à merda e condiciono-me a ser bem educada e cortês.
De repente, desato a desacreditar em tudo. Olho à minha volta e tudo me parece mentira, uma enorme mentira.
Serei eu que vivo esta mentira?
Será esta a verdade para os outros?
Sei que sou eu que estou triste e ainda tenho momentos em que escondo essa tristeza e me finjo alegre e bem disposta.
Sei que sou eu que tenho uma energia inesgotável e que a retenho, com medo do que possa fazer ou dizer; com medo de magoar os outros.
Duvido de tudo o que vejo.

Carros que passam, pessoas que conduzem, pessoas que conversam, que trabalham. O que é isto?
O que estão a fazer?
Estão a viver, só porque têm um corpo, porque têm um coração que bate, porque têm um emprego e têm alguém em casa a quem resolveram chamar família?
Estão vivas estas pessoas?
Estão conscientes?
Estou viva eu?
Duvido do que me dizem, do que me ensinaram. Duvido do que não vejo, do que não sinto, do que não presencio.

Onde está deus no meio disto tudo?
Não o vejo, não sinto que ele exista, não parece fazer parte da minha vida. Se eu não me mover, nada acontece comigo. Fico ali, quieta. Se eu parar de respirar, morro.
Onde está esse deus?
Quem o quis criar (chamando-lhe outros nomes, não importa!)?
Para quê?

Seríamos nós, seres humanos mais infelizes se desaparecesse da nossa educação e aculturação milenar a existência desse deus ou deuses que alguém decidiu criar?
Para que foram eles criados? Que utilidade têm essas divindades, sejam de que religião forem?

Estou triste.
Não me encontro, no meio disto tudo.

E todas estas questões são agora muito mais importantes do que pagar a água ou a luz, ir trabalhar, ser criativa, ou relacionar-me com os outros.
Onde estou eu, que nem me reconheço?