"la chata"

No meu bairro, há uma chata!
Uma mulher, na casa dos cinquenta, que se entretém a não fazer nada.
Há aquele "não fazer nada" com arte, preparado para se viver intensamente; não fazer nada porque já se fez muito.
Esta senhora, de facto, não faz nada.
Aliás, minto, faz uma coisa: fala desalmadamente e, consequentemente, é uma chata de primeira!
Gosto de ir ao café, bebericar qualquer coisa quente, e levar o meu bloco de notas, escrever ou ler. Actividades que não incomodam ninguém.
Até que chega "la chata"!
Com voz de altifalante, larga um "bom dia" mais como incómodo, do que como saudação.
Toda a gente do café a ouve, ao chegar.
Senta-se numa mesa qualquer, habitualmente numa mesa onde já estão pessoas conhecidas e aí, sim, vem a parte interessante: o já também habitual "discurso do EU".
"EU fiz isto"
"EU acho aquilo"
"Não faça isto, porque EU faço outra coisa que funciona muito melhor..."

Por muito afastados que estejamos, pode sempre ouvir-se a conversa da "la chata"!
Porque ela fala para todos, partilha esta sua permanente "sabedoria" com todos, mesmo os que querem estar em silêncio, que é o meu caso.
Até hoje, por muito barulhento que um café possa ser, nunca tinha encontrado uma chata destas! Palavra!
É agressiva no uso da palavra, agressiva no uso da voz, extrovertida de uma forma agressiva, também.
Não tenho nada contra a extroversão. Amo a alegria. "La chata" não tem alegria. Quando ela existe - a alegria - é contagiante. "La chata" é chata. Aborrecida. Monótona. Incomodativa. Intrusiva.

Claro que, um dia destes, senti-me tão incomodada, que me deu para a "extroversão" - cozinhada ali, no momento, para ser tão incomodativa quanto a dela.
No café, a minha voz elevou-se sobre a dela.
Um pouco do seu próprio "remédio", da sua própria atitude.
Ela não gostou. Calou-se e fez como as crianças, começou a cantar.
Incrível.

Continuo a ir ao mesmo café, a encontrar "la chata" .
Mas agora, vou "armada". Para proteger os meus tímpanos e a minha sensibilidade, levo o leitor de MP3.
É o sossego total!